Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Escadinhas do Quebra Costas

(con)Viver com Doenças Inflamatórias do Inflamatórias do Intestino. Aventuras, desventuras e muita galhofa! Que a rir custa menos e por isso "Sou feliz só por preguiça."

Escadinhas do Quebra Costas

(con)Viver com Doenças Inflamatórias do Inflamatórias do Intestino. Aventuras, desventuras e muita galhofa! Que a rir custa menos e por isso "Sou feliz só por preguiça."

04 de Abril, 2018

Como me tirar do sério em menos de 30 segundos!

Vera Gomes

de-esmola-grande-o-pobre-desconfia.png

 

 

De boas intenções está o inferno cheio, é certo. Mas nos dias que correm deve estar a transbordar de malta que quer ganhar dinheiro com o desespero alheio. Volta e meia, e sobretudo desde que comecei a escrever sobre Doenças Inflamatórias do Intestino e a dar a cara como portadora de Colite Ulcerosa, que sou abordada por pessoas que, no alto da sua "extrema bondade" aparecem com umas curas milagrosas. Este ano, e sem contar com todas as sugestões de dieta que já recebi, fui abordada por duas magníficas propostas de cura para uma doença sem cura (shame on you médico que me segues e passaste os ultimos 25 anos da tua vida a estudar estas doenças e ainda não descobriste uma cura). Portanto, apertem o cinto e tenham alguma paciência que este post será um pouco longo, mas vale a pena!

 

1) Factores de Transferência

 

O texto que circulou em grupos de apoio a doentes é super apelativo. Ora vejam: 

COMO FUNCIONAM OS FACTORES DE TRANSFERÊNCIA ?

Dito de forma simples, os factores de transferência fortalecem o sistema imunitário. Mas esse facto pode ser utilizado para descrever inúmeros outros produtos e suplementos. Os factores de transferência não são uma entidade individual. São uma mistura complexa de três funções separadas – a INDUTORA, a ANTIGÊNICA ESPECÍFICA e a SUPRESSORA. Uma vez que o nosso sistema imunitário mantém guerras microbiológicas constantes, há que utilizar uma analogia para explicar estas três funções. A INDUTORA actua como um monitor de treino básico, exigindo ao sistema imunitário que se mantenha em boa forma, mas sem no entanto lhe transmitir informação sobre quem atacar. A função ANTIGÉNICA ESPECÍFICA é como que uma extensa base de dados, onde estão identificadas as características dos diversos agentes patológicos que atacaram o organismo até ao momento. Sobre a função SUPRESSORA podemos compará-la a um general que ordena às suas tropas o regresso a casa, pois a guerra terminou. Sem esta acção podem ocorrer vários tipos de danos, pois se o sistema imunitário não “ordena” o regresso das suas tropas perante um ataque ou raciona excessivamente, podemos vir a sofrer de doenças auto imunes, como a esclerose múltipla e as alergias. A grande diferença para outros suplementos está no facto dos factores de transferência serem essencialmente informação imunológica. São de facto informação que educa o sistema imunológico, contribuindo para a sua acção e bom funcionamento. É um conceito completamente novo no campo da imunologia.

 

Agora vamos lá por partes porque não é preciso ser médico para perceber que de facto as frases estão gramaticalmente bem construídas, mas o significado das mesmas deixa muito a desejar. Como é possível que uma coisa que fortalece suprima ao mesmo tempo? Já para nem falar da reprogramação da inteligência do sistema imunitário como me dizeram numa mensagem privada... E depois... o que é uma função Antigénica Especifica? É que dos 3 médicos que falei sobre o assunto (3 deles especialistas em auto-imunes) e os bioquimicos com quem falei ouviram falar de tal coisa como factores de transferência. Aliás a primeira reacção deles foi "oi?!"... Bom... Depois outro pormenor: compra-se via internet. Oi? Não é estranho que uma coisa com tanto poder sobre o sistema imunitário se venda à distância de um clique sem qualquer controlo ou monitorização do paciente? 

Resolvi investigar um bocadinho mais.  Ora a empresa americana comercializa este produtos por um preço médio a rondar os 50€ uma embalagem com 60 capsúlas e tem "delegações" um pouco por todo o mundo. Esta empresa tem também distribuidores em Portugal e é possível encontrar toda esta informaçao no site deles. Depois de investigar um bocadinho mais no site encontrei um manual de instruções para vender os produtos e até disponibilizam um kit empresarial e tudo. Fofinhos! Logo na página 3 podemos ler "Os productos da 4Life não têm o objetivo de diagnosticar, curar, tratar nem prevenir doenças." E porquê este aviso? Porque segundo a lei na Europa tudo o que não seja medicamento ou que a sua eficácia não esteja determinada tem que vir com este aviso. Portanto... não serve para diagnosticar, curar, tratar nem prevenir doenças, ou seja, toda a malta que anda a fazer workshops e a pôr mensagens em grupos de apoio a doentes com a apregoar os fabulosos milagres dos factores de transferência está a mentir à descarada e a enganar pessoas! 

Neste momeno já estava a ferver de fúria. Se há coisa que me irrita é malta a tentar aproveitar-se do despero alheio. Mas ainda havia mais na página 5 do manual:

 

factores de transferencia.JPG

Chegamos ao magnífico cerne da questão: os factores de transferência e os produtos 4life não são mais que um belo modelo de negócio de marketing multi-nivel, que é como quem diz: um esquema em pirâmide. 

E para terminar, a cereja no topo do bolo, um artigo de nuestros hermanos em que médicos e enfermeiros foram proibidos em Espanha de dar a cara por estes produtos, uma vez que promovem algo que não tem qualquer fundamento. 

 

2) Sumo Reserve da Jeunesse

 

 

Eis algo que andavam a apregoar como sendo um milagre anti-oxidante e anti-inflamatório excelente para pôr um Crohn ou uma Colite Ulcerosa em remissão. Estúpidos dos médicos que nos põem a tomar imunossupressores e anti inflamatórios e sei lá mais o quê, quando todos os nossos males estão à distância de um revendedor deste sumo milagroso pela módica quantia de 136,33€ (iva incluido) por uma caixa de 30 embalagem de 30ml cada. Uma verdadeira pechincha!

 

Bom, cusquei a lista de ingredientes: açai, cereja preta, mirtilo, uva concord, romã, aloé vera, chá verde e extracto de grainha de uva. bastante simples. O mue primeiro pensamento foi: ora com o chá verde cago-me toda, com o extracto da grainha de uva (que pode ser venenoso) morro e pronto! Fico curada de tudo! Contudo, resolvi manter o espirito aberto e indagar a pessoa que apresentava tal milagre sobre qual a diferença entre este sumo comprado e eu fazer o sumo em casa. Afinal de contas, todos os ingredientes são passíveis de serem comprados facilmente. Resposta: é anti-inflamatório e anti-oxidante. Bom, ok... nao foi bem isso que perguntei, mas ok. Resolvi então perguntar qual a evidência do grau de eficácia deste sumo no tratamento de inflamação no intestino no caso d euma doença auto-imune. Depois de esperar seguramente uns 5 minutos, tive a minha resposta: é anti-inflamatório e anti-oxidante. E a pessoa continuou: tinha estado num uns dias antes num workshop em que múltiplas pessoas testemunharam sobre os resultados magnificos que obtiveram em diversas doenças auto-imunes e que eu deveria pesquisar um bocadinho mais sobre o sumo. Franzi o sobrolho (testemiunhos não validam tratamentos) e ainda assim fui consultar o site que a pessoa me deu, que foi este. E li com atenção, até ao momento em que encontrei a imagem abaixo:

 

Como-funciona-a-Jeunesse.jpg

 

Se tinha alguma dúvida sobre a minha desconfiança, dissiparam-se neste preciso momento: mais um belo esquema pirâmide! E os workshops que fazem não passam de esquemas para recrutarem pessoas e assim ganharem mais umas comissões e uns bónus. E quem melhor que um grupo de pessoas com uma doença auto-imune incurável? E quem melhor para promover que um doente com uma auto-imune (que se esqueceu de dizer que estava em remissão à pala dos imunossupressores que o seu gastro lhe prescreveu)?

 

3) Food for thought, que é como quem diz: pensem lá nisto!

Quando vos começarem a abordar com o discurso que têm uma cura milagrosa mas os maus dos lobbies das farmacêuticas é que não deixam porque senão perdem o dinheirinho todo, pensem nisto:

 

1) uma farmacêutica quando descobre um medicamento novo tem uma patente durante 10 anos. Significa que apenas essa farmacêutica pode comercializar o esse produto;

 

2) Quando o período da patente termina, qualquer farmacêutica pode comercializar: em grosso modo, é assim que surgem os genéricos;

 

3) As farmacêuticas investem rios de dinheiro a tentar descobrir qual é a próxima descoberta que lhes dará uma patente, ou seja, a galinha de ovos de ouro que lhe strará rentabilidade para nos próximos 10 anos;

 

4) As farmacêuticas estão sujeitas a imensos regulamentos e controlos para garantir a segurança e eficácia dos tratamentos e das galinhas de ovos de ouro que descobrem. Na Europa estes controlos são ainda mais apertados: são a nível nacional e a nível europeu, em grande parte através da Agência Europeia dos Medicamentos (aquela que Portugal estava a tentar conseguir)

 

5) Tudo o resto são suplementos, que não passam por estes crivos de controlo e regulamentação e em Portugal dependem da Direcção Geral de... Alimentação e Veterinária. Este artigo da jornalista Vera Novais explica bem como a coisa se processa. 

 

6) O mercado mundial de tratamentos complementares e alternativos, foi avaliado em 2015 como sendo na ordem dos 40,32 mil milhões de dólares. E estima-se que mais de 60% da população mundial utiliza alguma ou outra forma de medicina tradicional desde 2015. Portanto se há lobbies, não é só o das farmacêuticas. Há também o da indústria das alternativas que não carecem de regulamentação nem controlos de eficácia para colocarem os seus produtos no mercado. 

 

4) Pessoa com Crohn Colite Ulcerosa e outras Doenças Inflamatórias do Intestino são mais de 6 milhões no mundo. Já pensaram no guito que uma farmacêutica vai ganhar se descobrir a cura? Portanto se a cura comprovada, com segurança para o doente e eficaz no tratamento da doença existir, uma farmacêutica vai mesmo perder a oportunidade de ter a sua Galinha dos ovos de ouro?

 

 

 

5 comentários

  • Imagem de perfil

    Vera Gomes

    12.04.19

    Ana,
    não faço ideia qual é a sua formação de base. Mas posso dizer-lhe o seguinte: eu sei o que é nanoteclogia até porque é parte da área em que trabalho. Pelo seu comentário, claramente que não sabe. Da emsma forma que não sabe o que são esquemas em pirâmide e a diferença com outros modelos de negócio que não são parasitas e arruinosos para as pessoas envolvidas. Também não serei eu que lhe darei aulas de gestão, mas posso indicar-lhe a universidade onde fiz a minha especialização em gestão e finanças.
    Depois, se quer saber se uma laranja é doce, não precisa fazê-lo por testemunhos (até o que é doce para si pode nãos er para mim) mas sim, pela análise quimica e molecular da mesma. Que é essa a forma isenta de subjectividade de fazer a análise.
    Quanto ao post, não retiro uma palavra do que disse. Tudo o que escrevo é fundamentado e com base em pesquisa com metodologias bem formuladas e com revisão de pares. E em caso de dúvida, verificado com quem tem as credenciais para as respectivas àreas.
    Bom fim de semana
    Vera Gomes
  • Sem imagem de perfil

    Anónimo

    16.04.19

    Olá Vera! É o Rúben outra vez... gostava, sinceramente, que me explicasses quais as “metodologias bem formuladas” que te permitem afirmar as coisas que escreves no teu post e que vão, por exemplo, contra o que está no Physicians Desk Reference... deixo o link para facilitar.
    https://m.pdr.net/Mobile/Pages/FullPrescribing.aspx?druglabelid=159&#section-standard-11

    Gostava de saber qual a fonte que te permite afirmar que os produtos da 4Life são perigosos ao ponto de as pessoas poderem contrair a doença das “vacas loucas”... vou deixar a seguir uma lista de algumas referências de estudos clínicos com Factores de Transferência... eu percebo que seja mais fácil ignorar o meu comentário, mas há muito mais por dizer. E ainda nem cheguei às ditas “Pirâmides” ;)
  • Sem imagem de perfil

    Anónimo

    16.04.19


    References in Autoimmune Disorders
    1) Collins RC, Espinoza LR, Plank CR, Ebers GC, Rosenberg RA, Zabriskie JB. A double-blind trial of transfer factor vs placebo in multiple sclerosis patients. Clin Exp Immunol. 1978;33:1–11.
    2) Zabriskie JB, Espinoza LR, Plank CR, Collins RC. Cell-mediated immunity to viral antigens in multiple sclerosis. Acta Neurol Scand. 1977;55:239
    3) Lamoureux G, Cosgrove J, Duquette P, Lapierre Y, Jolicoeur R, Vanderland F. A clinical and immunological study of the effects of transfer factor on multiple sclerosis patients. Clin Exp Immunol. 1981;43:557–64.
    4) Romano EL, Pulido M, Layrisse Z, Malave I. Treatment of patients with multiple sclerosis with transfer factor. Acta Cient Venez. 1978;29:49–52.
    5) Borkowsky W, Karpatkin S. Leukocyte migration inhibition of buffy coats from patients with autoimmune thrombocytopenic purpura when exposed to nor- mal platelets: modulation by transfer factor. Blood. 1984;63:83–7.
    6) Transfer Factor: An in vivo study in nine patients with fibromyalgia. Robertson R. April 27th 2000.
  • Sem imagem de perfil

    Anónimo

    16.04.19

    só para trazer alguns factos à conversa... são mais de 3.000 publicações!
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.